quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

TEMPO É NUTRIÇÃO

 

Casal de negros

TEMPO É NUTRIÇÃO

Não poderia deixar de mencionar os desastres ambientais neste final de 2021, enquanto comemorações, alegrias e fogos de artifícios acontecem paralelamente à situação trágica que está passando o Povo indígena Tupinambá de Olivença, no extremo sul da Bahia e que aumenta o número de vítimas e precisa de muita ajuda e solidariedade. Ao lado disso centenas de famílias pobres, desassistidas na Amazônia, nordeste, centro-oeste, leste e sul do brasil encontram-se invisibilizadas aos olhos governamentais.
O mesmo acontece com mais de 100 cidades na Bahia em estado de emergência, segundo os dados da própria imprensa e que a jornalista Liliana Peixinho @liliana.peixinho me informou. Desde que me conheço por gente e na infância, ainda ouvia falar dos desastres motivados pelas chuvas nessa época no ano: as tempestades, enchentes e vítimas deste processo da natureza. E não houve uma política para defender a população desses estragos até hoje.
Na Bahia, volume e velocidade das águas tem crescido assustadoramente e as enchentes não param. O isolamento das famílias desabrigadas cresce a cada minuto. Todos passarão as festas de final de final de ano totalmente desabrigados e dependentes de ajuda humanitária emergencial.
Trata-se aqui de dimensionar a extensão desses problemas ao longo de muitas décadas e agora a piorar com o desmatamento, as queimadas, garimpo ilegal, justamente quando se fala em defesa do meio ambiente, quando se refere a todas as Convenções sobre meio ambiente da ONU, aos acordos climáticos dos países, e recentemente com a Cúpula Mundial que aconteceu em Glasgow. O assunto é sempre o mesmo: o Brasil não se compromete com uma política da defesa desse nosso meio ambiente e todos os problemas que envolvem essa destruição ambiental. Os problemas são inúmeros e sem condições de citá-los aqui por tratar-se de um texto relâmpago.
Vamos receber em nossos e-mails e nas redes sociais milhões de mensagens fraternas de melhorias das qualidades de vida para 2022. Mas isso só fica mesmo entre nós, brasileiros, populações, amigos e parentes. O próprio governo não está preocupado com nossas demandas. Está preocupado em não perder seus cargos que lhes dão boas vidas e com propostas que possam fazer crescer mais a riqueza de quem já é rico, por exemplo o agronegócio e seus desdobramentos.
“Tempo”, subjetivamente citado para nós_ humanos_ sensibilizados com a problemática mundial e solidários ao próximo é muito importante porque “tempo” corresponde ao momento em que se vive a vida, em que se constrói algo para si e para seus próximos com amor e devoção. O capitalista se apropria desse termo de forma errônea, onde “tempo” é sinônimo de cifrões, de acúmulo de bens, capital e riquezas, com produtividade exacerbada para criar a “mais valia”, como nos ensina Karl Max em seu tratado sobre o capital que potencializa os oprimidos economicamente.
O capitalista é nutrido diariamente por tudo que vem das bases operárias e camponesas. Ele é nutrido pelo o que cria o homem trabalhador em seus locais de trabalho. Rouba as ideias e as transformam em bens de consumo para criar mais riquezas. O operário cria e o capitalista recria sobre o trabalhador envolvendo mais capital. O capitalista suga o suor do trabalhador. Suga as mulheres que trabalham em máquinas de costura, inclusive clandestinas como mão de obra barata, indígena, asiática, negra, classes menos favorecidas.
“Tempo” para nós, povos indígenas ou povos étnicos corresponde ao tempo de gestação de uma criança no útero da mulher, de um momento de um idoso a balançar em sua cadeira de balanço, ao momento precioso e ansioso da cura de uma enfermidade, ao momento de germinação e desenvolvimento de um coqueiro, do movimento das marés, dos ciclos da lua, da ida e volta do sol e um pingar de lágrima. Enfim, uma lista interminável que denota a significância real do “tempo”.
E o homem e a mulher são nutridos entre eles pelo o olhar, pela busca do amor, pelas mensagens físicas ou espirituais que iluminam os corações que se amam. Ele espera diariamente pela nutrição de tudo que ela produz, mesmo um pingo d`água, uma nota musical que soa, uma letra perdida no espaço. E ela espera um mínimo som, uma mínima manifestação de carinho, um ar que passa entre seus cabelos, um aroma estagnante no ar, mesmo de compaixão.
Por isso desejo a vocês, meus leitores, um maravilhoso tempo de escuta, de observância do silêncio e da busca e aperfeiçoamento do interior humano. Sintam o perfume do tempo. Em 2022 é tempo de escuta, produzir o som e emitir novas concepções de vida. Somos a mudança que queremos!
Texto de Eliane Potiguara TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
29/12/2021
Eliane Potiguara é Doutora Honoris Cause pela UFRJ/2021, escritora, poeta, professora e de origem indígena Potiguara
Foto: domínio público